quarta-feira, 24 de abril de 2019

Café é oxítona. Chá, não.

Raras, porém hilárias, são as situações do dia a dia em que pronunciamos as palavras em seus pedaços constituintes. Num tempo não tão distante, elas se somavam, por exemplo, às palmadinhas da mamãe, durante aquelas perguntas normalmente sem chance ou possibilidade de resposta:

— Por - que - vo - cê - que - brou - o - ar - má - ri - o?


Como também são raras na gramática as regras sem exceção, aqui já vai uma: toda sílaba tem uma vogal. TODAS. E essa regra você não pode ou deve seguir. Você fala assim. É uma regra chomskianamente inata, vital, dorsal, a que o(a) brasileiro(a) naturalmente obedece. Qualquer exceção seria incabível, tanto que o falante brasileiro enxerta vogal até quando a etimologia não permite. Imagine aquela mãe dando palmadinhas em um profissional do jurídico:


— Vo - cê - ca - pi - tou - a - men - sa - gem, - se - nhor - a - de - vo - ga - do?


Imagine-a agora, impaciente, dizendo pela segunda vez à sua vizinha o curso que o filho mais velho faz:


— Eu já falei. Pis - si - co - lo - gi - a.


Um dia essas palavras ganharão vogais gráficas? Aposto no sim. Por ora, o mais importante (além do curioso hiato em armário) é o filho não remedar ou arremedar a mãe brava:

— Por - que - a - se - nho - ra - tá - fa - lan - do - as - sim?


Não sendo a Chiquinha, que, chorando, não falaria de outro jeito, seria castigo na certa. E as mães podem ser bem criativas no castigo imperado ao filho, como, por exemplo, equilibrar-se num monociclo se a mãe for malabarista; escrever infinitos sticos se ela for uma poeta (ok, poetisa); dobrar dezenas de guardanapos em triângulos se ela for chef; ou ir para o quarto e pintar folhas inteiras a guache até ficarem policromáticas, se a mãe for pintora.


Atentou-se para as iniciais destacadas? Elas relembram bem a classificação das palavras quanto ao número de sílabas (ou "impulsos expiratórios" para o Bechara):


 Oi. (monossílaba)

 O-lá! (dissílaba ou bissílaba)
 Tran-qui-lo? (trissílaba)
 Fe-liz-men-te. (polissílaba)


Didaticamente, a classificação acaba aqui. Porém, segundo o Houaiss, a polissílaba pode ser: 1) palavra composta de mais de uma sílaba e 2) palavra com mais de três sílabas. Explorando a primeira acepção, podemos continuar o diálogo acima entre o dono da praça e a personagem Velha Surda:

 Fe-liz-men-te. (tetrassílaba ou quadrissílaba)

 In-fe-liz-men-te? (pentassílaba)
 Ab-so-lu-ta-men-te. (hexassílaba)
 Des-com-pas-sa-da-men-te? (heptassílaba / septissílaba / setissílaba)
 Ir-res-pon-sa-bi-li-da-de. (octossílaba)
 He-te-ros-se-xu-a-li-da-de? (eneassílaba)
 Re-vo-lu-ci-o-na-ri-a-men-te. (decassílaba)
 In-cons-ti-tu-cio-na-lis-si-ma-men-te? (hendecassílaba)

E os demais prefixos matemáticos...

É claro que não pronunciamos esses pedaços sonoros na mesma intensidade, senão falaríamos como os droides B1 de Star Wars (1999). Estamos o tempo inteiro pronunciando sílabas fortes e fracas, como as cristas e os vales de uma onda mecânica. Isso fica claro quando chamamos o vizinho ao portão, ora pelo nome dele:

— mar-CE!!!-lo


ora pelo apelido:


— co-to-NE!!!-te


A depender da distância, gritar só a sílaba tônica (NE!!!) é suficiente. Experimente depois.

Se uma única palavra for uma sílaba forte ("mãe"), dizemos que é uma monossílaba tônica; se for uma única sílaba fraca ("no"), será uma monossílaba átona (o "á-" aqui é negação).

Quando se participa de uma corrida sozinho, não há que se falar em primeiro ou último lugar, certo? Mas, a partir de dois corredores, já é possível. Portanto, uma palavra só terá última sílaba se possuir duas ou mais. E assim classificamos as palavras em: oxítonas (última sílaba tônica), paroxítonas (penúltima sílaba tônica) e proparoxítonas (antepenúltima sílaba tônica).



Abel deu um nó no abadá da mãe. Menino malévolo e malcriado!

DEU / NÓ / MÃE = monossílabas tônicas
um / no / da / e = monossílabas átonas
a-BEL / a-ba-DÁ = oxítonas
me-NI-no / mal-cri-A-do = paroxítonas
ma-LÉ-vo-lo = proparoxítona

Finalmente, quanto ao número de sílabas, a palavra NÓ, por exemplo, é uma monossílaba. Quanto à sílaba tônica, NÓ é uma monossílaba tônica, e não uma oxítona.






Referências bibliográficas

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 86-87.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. São Paulo: Editora Nacional, 2008, p. 36.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p. 67.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss. v. 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
PINKER, Steven. Linguagem é inata e instintiva como o sexo e a fome, diz pesquisador. In: Folha de S. Paulo, 5/1/1997.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/1/05/mais!/26.html. Acesso em: 24 abr. 2019.

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